A deflagração do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff ressuscita fantasmas do passado que muitos julgavam sepultados. De novo, é que agora não estão mais travestidos em fardas reluzentes, mas conduzidos pelas mãos de um personagem longevo nos meandros da política brasileira.
A frágil base jurídica invocada por Eduardo Cunha ao aceitar a tramitação do processo de impeachment contra Rousseff, imputando como crime de responsabilidade as denominadas “pedaladas fiscais”, reflete a debilidade da ainda jovem democracia brasileira. Pareceres de respeitáveis juristas, como Fábio Konder Comparato, Celso Antônio Bandeira de Mello e Dalmo Dallari, demonstram a inconsistência do pedido de impeachment contra a presidente e conferem ao mesmo características inequívocas de golpe em relação ao resultado da eleição presidencial de 2014.
A par das consequências desastrosas que o processo de impeachment provoca na conjuntura política e econômica do país, cabe refletir quanto a suas consequências sobre a estabilidade democrática na América do Sul.
A conjuntura econômica de crise não pode justificar o pedido de impeachment em regimes presidencialistas. Ao se criar um “fato” (pedaladas) que não condiz com o que o ordenamento jurídico exige para se processar o presidente da República, abre-se um precedente que pode ser utilizado em outros países da região. O argumento para se iniciar o processo deve ser consistente e não pode estar condicionado a interesses particulares ou ser utilizado como atalho para a oposição chegar ao poder, como ocorreu com a deposição do presidente Fernando Lugo no Paraguai.
A forte polarização nos processos eleitorais que elegeram Dilma Rousseff e Mauricio Macri na Argentina, encontra ressonância distinta em ambos países. No Brasil, o candidato derrotado questionou o processo eleitoral e levou a oposição a um embate inconsequente premido por “pautas bomba” e apoio incondicional a Eduardo Cunha. Na Argentina, não houve por parte do candidato governista Daniel Scioli nenhum questionamento sobre a vitória do adversário.
Ao estabelecer um terceiro turno para a eleição, o Brasil, país fundamental para a consolidação democrática na América do Sul, vai enviar uma mensagem desalentadora para a região: a de que o golpe com verniz democrático faz parte da regra do jogo.
Para uma região que viveu entre as décadas de 1960 e 1980 sob a égide de regimes de exceção, a tentativa de apear do poder governantes legitimados pelo voto com base em argumentos frágeis, reedita sob nova roupagem o caráter autoritário de grande parte das nossas lideranças políticas e aponta o imenso caminho a trilhar até nos livrarmos dos fantasmas do passado.
*pesquisador no Programa de pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP) e no Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES – Unesp).