O escritor português José Saramago morreu hoje aos 87 anos. Ele deixa um legado de opiniões fortes e uma vasta obra literária. Prêmio Nobel de Literatura em 1998, primeiro escritor de língua portuguesa a obter a honraria, Saramago mostrou ao longo de sua vida uma paixão duradoura pela literatura.
Seus livros são marcados pelos períodos longos e pela pontuação em muitos momentos quase inexistente. Os artifícios formais são vistos como verdadeira barreira para vários leitores, mas outros se encantam com a fluidez de seus textos, sempre entremeados por reflexões fortemente humanistas.
Nascido em 16 de novembro de 1922, numa aldeia do Ribatejo chamada Azinhaga, de família humilde, Saramago só veio a produzir sua primeira obra de sua fase mais madura em 1980, “Levantado do Chão”. Dois anos depois, “Memorial do Convento” o colocou como um dos maiores autores de Portugal, posição confirmada com o lançamento do inventivo “O ano da morte de Ricardo Reis”, em que narra os dias finais do heterônimo de um dos pilares da literatura de seu país: Fernando Pessoa, em uma criativa mescla de fatos reais e imaginados.
Saramago era um autor prolífico. Além de romances, publicou diários, contos, peças, crônicas e poemas. Ainda em 2009, lançou mais um livro, “Caim”.
Esta obra retoma um personagem bíblico, subvertendo a versão oficial da Igreja Católica. Em 1991, seu “Evangelho segundo Jesus Cristo” dispôs de artifício semelhante. A “reescrita” do ateu convicto de esquerda não agradou aos religiosos, provocando grande polêmica em uma nação fortemente católica. No ano seguinte, o livro foi indicado a um prêmio, mas o governo português vetou a candidatura. Insatisfeito, Saramago partiu para um “exílio voluntário” na espanhola Lanzarote, nas Ilhas Canárias, onde vivia desde 1993.
Outro de seus romances, “Ensaio sobre a cegueira”, narra uma epidemia em que os personagens perdem a visão, enquanto uma mulher a mantém. A obra, uma das mais conhecidas do português, foi adaptada para o cinema pelas mãos do diretor brasileiro Fernando Meirelles. O filme foi exibido no Festival de Cannes.
Saramago não se furtava a emitir opiniões, seja em seus livros, seja em entrevistas. Em 2008, afirmou que era um “comunista hormonal”. Ao mesmo tempo, desferia duras críticas à esquerda, que “não pensa nem atua”, segundo declaração dele do mesmo ano.
Vão-se as polêmicas, fica a obra. O crítico Harold Bloom qualificou-o como “o escritor de romances mais dotado de talento dos que seguem com vida, um dos últimos titãs de um gênero em vias de extinção”. A citação consta do prefácio de “O Caderno”, assinado pelo italiano Umberto Eco, reproduzido pelo site do jornal espanhol “El País”.
Neste “Caderno”, Saramago reúne texto publicados inicialmente em seu blog. No prefácio, Eco notava que, apesar de já ser fartamente consagrado, Saramago ainda se dispunha a escrever suas reflexões sobre o mundo na internet e a dialogar com os leitores.
No mesmo texto, o pensador italiano lista alguns dos temas presentes na obra de Saramago: os grandes problemas metafísicos, a realidade e a aparência, a natureza e a esperança, e como são as coisas quando não as estamos olhando. Eco arrisca ainda uma entre as muitas definições possíveis para Saramago: um “delicado tecedor de parábolas”.