Sob forte pressão política, o presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Vinicius Carvalho, afirma que podem ser abertos novos processos para investigar a possível formação de cartéis para a venda de trens em outros Estados além do caso que já está sendo analisado relacionado a São Paulo e ao Distrito Federal.

 Em entrevista ao programa Poder e Política, da Folha e do UOL, Carvalho declarou que é possível “achar material que possa ser indício ou prova de cartel nesses mercados e em outros. Se isso for encontrado, vai para o escopo da investigação. Mas não tenha dúvida de que será investigado (…) O que tiver lá, se tiver, envolvendo contratos com o governo federal, ou com outros contratos, ou mais contratos em São Paulo ou no Distrito Federal, tudo vai entrar no escopo da instauração do processo”.

A declaração do presidente do Cade é uma resposta à acusação de que a autarquia estaria politizando o caso iniciado por uma delação da empresa alemã Siemens, que envolve sobretudo venda de trens para o Metrô de São Paulo –e sucessivos governos paulistas comandados por políticos do PSDB.

Como a Siemens participou de licitações para fornecer a governos de vários Estados e também para a administração federal, tucanos alegam que no atual episódio há um direcionamento político apenas contra o PSDB –conduta negada pelo Cade.

Esta foi a primeira longa entrevista de Carvalho após a politização do caso dos cartéis dos trens. Ele relata que “existem outros processos no Cade envolvendo a Siemens”. Pelo menos mais um “em outro setor, também de cartel”. Não quis fornecer detalhes. “É só isso que eu posso dizer por enquanto”.

Carvalho estava disposto a sempre passar a mesma mensagem em suas respostas: há possibilidade real de mais investigações serem abertas. “O que eu estou dizendo é: se amanhã aparecer uma denúncia de um contrato em outro Estado da Federação, envolvendo essas empresas ou outras empresas, isso vai ser apurado. É nossa tarefa”.

O presidente do Cade tem 36 anos, é advogado formado pela USP e doutor em direito comercial pela Universidade Paris I, na França. No início da carreira, trabalhou no gabinete do deputado estadual Simão Pedro (PT), na Assembleia Legislativa paulista. Os dois mantêm contato até hoje.

“É minha função, como presidente do Cade, receber parlamentares. Ano passado, recebi uns quinze. Alguns vão fazer denúncias, outros vão perguntar sobre alguma questão específica. É natural, faz parte do processo democrático”, afirma.

Carvalho nega ter vazado documentos do caso Siemens. Usa como argumento o fato de as reportagens com documentos terem sido publicadas depois que um juiz de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, ter retirado o sigilo do processo.

Diz também não ter omitido de forma deliberada ou por razões políticas sua filiação ao PT quando foi nomeado para o cargo, em agosto do ano passado. Ele declara ter saído da legenda em 2008. Reclama dos ataques que sofreu de políticos de oposição. “Esse é o primeiro caso em que eu vejo a vítima se voltar contra o investigador”.

Quando vai terminar a análise dos documentos apreendidos no caso Siemens? “Acho que para o final de fevereiro. Fevereiro, talvez”, responde Carvalho. Aí será o momento de instauração formal dos processos.

E se a Siemens não tiver contado tudo a respeito de conluio com outras empresas? “Ela corre o risco de não ter o benefício integral do acordo de leniência, que é a extinção da punibilidade. Ela tem, e estou falando em tese, uma redução disso. Isso valeria para qualquer empresa”, responde o presidente do Cade.

A autarquia tem aumentado sua atuação em casos de conduta anticompetitiva entre empresas. Em 2012, diz Carvalho, foram julgados 13 processos administrativos, com duas condenações. Neste ano, já houve 36 julgamentos, com 22 condenações. “Um salto bastante razoável e eu acho que vai aumentar de ano a ano”, sugere Carvalho.

A seguir, trechos da entrevista concedida na última quinta-feira (19):

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Folha/UOL – Políticos da oposição acusam o Cade de “vazamento seletivo” de documentos no caso Siemens. Isso aconteceu?
Vinicius Carvalho – Não. A primeira matéria em que apareceram documentos do acordo de leniência [delação premiada] foi na Folha do dia 2 de agosto. Foi quando houve reação do governo de São Paulo e o secretário da Casa Civil acusou o Cade de vazamento seletivo e de polícia política. No dia 16 de julho, ou seja, 15 dias antes, o juiz da 3ª Vara da Justiça Federal de São Bernardo do Campo decretou a publicidade do processo.

O juiz errou ao fazer isso?
Fomos notificados disso no dia 6 de agosto e pedimos imediatamente que ele voltasse atrás [o que não aconteceu]. Então, não faz sentido falar em vazamento. Juiz não vaza, ainda mais de forma seletiva. Acusar o Cade de vazamento é politizar uma investigação que estava sendo feita da maneira mais rigorosa possível do ponto de vista técnico.

Até que ponto um processo como esse tem de ficar sob sigilo?
Estamos falando de uma situação de delação premiada. As empresas têm um custo de imagem e cartel é crime. As pessoas que trabalhavam na empresa também têm de ser protegidas. Transparência é um valor constitucional importante, mas não é um valor absoluto. Há a defesa da integridade de um processo investigativo que pode ou não levar à condenação de empresas e pessoas. Você tem de criar incentivos para que as empresas venham e um deles é a manutenção do sigilo até o julgamento.

Houve uma politização desse processo. Por que isso ocorreu?
A politização não veio do Cade. A atuação do Cade começou quando uma empresa, uma das maiores do mundo, nos procurou para fazer um acordo de leniência. Nesse contexto, quem é a vítima do cartel? É o Estado. Nesse caso específico, pelo menos no que apareceu no acordo de leniência, [as vítimas] são o Estado de São Paulo e o Distrito Federal. Esse é o primeiro caso em que eu vejo a vítima se voltar contra o investigador.

O fato de o senhor ter sido filiado ao PT e ter trabalho com o deputado estadual Simão Pedro, do PT paulista, não contribuiu para que políticos de São Paulo tenham desconfiança?
Acho que contribuiu para esses sucessivos mal entendidos. Mas não vejo relação entre uma coisa e outra.

Por que o senhor omitiu em sua sabatina no Senado essas informações?
Me desfilei do partido em 2008. Nem me passou pela cabeça que eu tivesse de colocar em um currículo profissional filiação. Fiz três sabatinas no Senado em quatro anos. Conselheiro, recondução para conselheiro e depois presidente. Na minha primeira sabatina havia menção ao meu trabalho na Assembleia Legislativa de São Paulo por dez meses. O deputado Simão Pedro não tinha, na época, nenhuma denúncia ou coisa parecida sobre Metrô ou trens. A minha relação com o PT apareceu na imprensa na época. Isso não foi omitido. É uma tentativa de contaminar uma investigação que o Cade tem feito de maneira técnica.

O fato de o Cade receber ajuda por intermédio de um deputado estadual que é adversário de uma das partes do processo não revela uma imprudência no procedimento?
Não foi assim que aconteceu. A Siemens veio ao Cade e trouxe pessoas que achava necessárias para esclarecer a conduta. É minha função, como presidente do Cade, receber parlamentares. Ano passado, recebi uns quinze. Alguns vão fazer denúncias, outros vão perguntar sobre alguma questão específica. É natural, faz parte do processo democrático.

O senhor acha que a Siemens contou tudo que sabe?
A empresa tem todos os incentivos para contar tudo que sabe, porque ela corre o risco, que não é pequeno, de perder parte da sua proteção caso o Cade, o Ministério Público ou a polícia ache no material apreendido outros contratos em que tenha participado.

Mas tem de ser especificamente no caso apurado?
Não. Essas empresas atuam em vários setores da economia. Você pode achar material que possa ser indício ou prova de cartel nesses mercados e em outros. Se isso for encontrado, vai para o escopo da investigação. Mas não tenha dúvida de que será investigado. Até porque esse material está com outros órgãos [Ministério Público e Polícia Federal]. Então todo mundo vai ter o interesse de investigar.

Quando a análise terminará e o processo será aberto?
A Superintendência-Geral do Cade está fazendo todo o esforço para tentar instaurar o quanto antes, porque processos que envolvem leniência são sempre prioritários. Mas não tenho como dar um prazo específico, até porque eu não sei. Há um prazo de seis meses do inquérito administrativo que pode ser renovado por 60 dias em 60 dias.

Fica a impressão de que o processo foi todo direcionado contra governos que não são ligados à administração federal. Mas a Siemens também vende ao governo federal…
O Cade investiga empresa, não investiga governo. O governo é vítima. Se há envolvimento de agentes públicos específicos, o governo continua sendo vítima e o envolvimento desses agentes tem de ser avaliado pelos órgãos que avaliam isso: o Ministério Público, a polícia. Outra observação é: por que achar que uma empresa do porte da Siemens iria direcionar a sua denúncia para esses contratos específicos? Se ela deixou de denunciar cartéis ao Cade em outros lugares em que ela supostamente teria feito, o risco é todo dela.

Em que momento o Cade poderá dizer “vamos investigar também contratos no plano federal e em outros Estados”?
Essa avaliação está sendo feita com base no material recolhido em todas essas empresas. O que tiver lá, se tiver, envolvendo contratos com o governo federal, ou com outros contratos, ou mais contratos em São Paulo ou no Distrito Federal, tudo vai entrar no escopo da instauração do processo.

Se ficar comprovado que a Siemens não contou, eventualmente, tudo que poderia ter contado, o que acontece?
Ela corre o risco de não ter o benefício integral do acordo de leniência, que é a extinção da punibilidade. Ela tem, e estou falando em tese, uma redução disso. Isso valeria para qualquer empresa.

A análise do caso da Siemens deve terminar quando?
Acho que para o final de fevereiro. Fevereiro, talvez.

É no final dessa fase, quando se instaura o processo, que se tomará a decisão de ficar só nos contratos citados pela Siemens ou se será ampliado para outros contratos?
Nessa investigação sim. Porque nada impede que se abram outras com base em novas denúncias ou em novos acordos de leniência. Existem outros processos no Cade envolvendo a Siemens, por exemplo. Que eu lembre, pelo menos mais um, em outro setor.

Também de cartel?
Também de cartel. É só isso que eu posso dizer por enquanto. O que eu estou dizendo é: se amanhã aparecer uma denúncia de um contrato em outro Estado da Federação, envolvendo essas empresas ou outras empresas, isso vai ser apurado. É nossa tarefa.

Com o governo federal, com qualquer governo?
Claro. O Cade é um órgão em que as pessoas trabalham com completa autonomia. A gente tem três coordenações de cartel lá. Todos os três coordenadores são gestores públicos, que fazem as suas investigações na medida em que eles acham que as investigações estão maduras, que cabe busca e apreensão. Não tem nenhum tipo de direcionamento político. Não existe isso, posso garantir.

Ao assumir, o sr. estabeleceu como uma das metas do Cade zerar o estoque de casos de fusão e aquisição. Mas há ainda cerca de 300 casos de conduta, onde estão as infrações. Como resolver esse passivo?
As empresas têm direito de fazer fusões e aquisições e há essa cobrança sobre o Estado na aprovação delas. Elas estão só esperando a decisão para efetivar o negócio. Enquanto que, nas condutas anticompetitivas, depende muito mais de uma atuação investigativa do próprio Estado. Os processos são mais complexos, são mais densos. Muitas condutas envolvem buscas e apreensões ou investigações um pouco mais complexas. Até 2012 julgamos 13 processos administrativos somente. Condenamos dois. Esse ano conseguimos julgar 36, com 22 condenações. Um salto bastante razoável e eu acho que vai aumentar de ano a ano.

O governo falou em investigar o cartel na venda de pacotes de hotéis e serviços para a Copa do Mundo. Essa investigação avançou?
Uma das coisas que foram detectadas foi uma situação específica de um contrato que a Match, que é a empresa contratada pela Fifa para fazer a venda dos hotéis, havia feito. Ela reservava uma parcela dos quartos e havia uma cláusula que estabelecia que o preço que o hotel venderia os 80% restantes seria o mesmo preço que ela venderia para o consumidor final. Pedimos explicações sobre isso e a Match abriu mão da cláusula imediatamente. O que se tem hoje é um monitoramento e um acompanhamento do que está acontecendo.