O professor Rogério Cerqueira Leite publicou, na Folha de S. Paulo, de 6 de janeiro, artigo intitulado “Produção científica e lixo acadêmico no Brasil”, em que discute análise feita pela revista científica Nature sobre a qualidade da pesquisa produzida no país. O texto conclui que a pesquisa brasileira é de má qualidade e que os recursos destinados para a ciência são mal aplicados. Trata-se aqui de dizer mais algumas palavras sobre a questão, em particular sobre a má aplicação dos recursos.
O conhecimento científico é, atualmente, a forma oficialmente privilegiada de conhecimento, que confere, a quem o detém, certos privilégios que são consequência de não estar equitativamente distribuído na sociedade. Cada um à sua maneira e na medida de suas possibilidades, os países se dedicam a fazer ciência, esperando obter benefícios do investimento nela. O que ocorre no Brasil, que tem levado à má aplicação dos recursos em ciência, é que o investimento é feito “cegamente” sem que haja uma política ou plano que estabeleça que benefícios o país necessita extrair da ciência, de tal forma que se otimize a aplicação dos mesmos. O pesquisador brasileiro, em regra, estabelece sua linha de pesquisa sem nenhuma relação com as necessidades nacionais e sem compromisso com o retorno social dos recursos, o que seria uma medida da qualidade de sua produção.
Dificilmente se poderia chamar de lixo pesquisa que transformasse para melhor a vida dos cidadãos, que com o passar do tempo visivelmente alçasse o país a novos patamares de desenvolvimento e o inserisse no clube dos desenvolvidos de alta qualidade, como fizeram, algum tempo atrás, os Tigres Asiáticos. Infelizmente, em função de má política (ou da ausência dela), e da má formação do pesquisador brasileiro (consequência de um sistema educacional de péssima qualidade), este define suas pesquisas em função de suas preferências pessoais ou comodismo e não em função de uma visão qualificada sobre as implicações para o país de seus resultados.
Os recursos para as mesmas vêm porque a avaliação pelos pares, tão elogiada em função de sua “imparcialidade” e de sua base “meritocrática”, via de regra, ajuíza sobre a concessão dos recursos baseado na produção anterior do pesquisador, o que, em função da baixa qualidade, como destaca a Nature, tem valor nenhum. Além disso, a aprovação da concessão dos recursos também será determinada pelas preferências pessoais do consultor, que, igualmente, não tem visão clara da responsabilidade social que deveria nortear seu parecer. Este estado de coisas tem levado a uma ciência elitista, dissociada das necessidades nacionais e um descompromisso do pesquisador para com a utilização dos recursos que lhe são proporcionados pela sociedade.
O pesquisador age como se, desde que sua pesquisa gere publicações, sejam elas quais forem, está tudo certo. Por contraditório que possa parecer, este direcionamento da aplicação dos recursos em ciência, que poderia, num primeiro momento, levar a pensar que se estaria privilegiando a chamada ciência aplicada em detrimento da básica, longe de o fazer, seria catalisador de uma ciência básica altamente relevante, porque alicerçada nas demandas da ciência desenvolvida tendo em vista as necessidades e o desenvolvimento do país. Infelizmente, como não se parte destes pressupostos, o que está acontecendo é que se publicam milhares de trabalhos, mas o reflexo social deles é nulo.
*professor do programa de pós-graduação em Ciências dos Materiais do Departamento de Física e Química da Faculdade de Engenharia da Unesp de Ilha Solteira.